quarta-feira, 6 de outubro de 2010

Aurora não ousa em discordar.

Sente-se, talvez sintas melhor o que estou querendo te dizer. Já faz um tempo que não dou as caras por aqui; é muito mais fácil escrever quando se está magoado ou com algum sentimento ferido. Não existem tantos clichês para descrever a tristeza; agora, basta apenas um átimo para lembrar o quão piegas é falar sobre o próprio estado de felicidade, e em minha opinião, a dificuldade para escolher as palavras ideais sempre acaba estragando o tamanho do sentimento envolvido. Apesar de tudo isto, seria muito injusto deixar passar em branco.

Em uma longa conversa com Aurora, percebi que a mesma também anda em hiato com seus escritos, e diz ela que se sente preenchida pela política nacional e por uma nova religião que frequenta, onde o vício pela fé transformou-a numa beata insuportável: "Pudera um dia me entenderes; só assim sentirás o poder das mãos do Designer da Inteligência".

Não consegui suportar tanto criacionismo modernizado e apenas escutei o cigarro do qual eu fumava: entrando pela garganta, esquentando os pulmões, saindo através dos lábios, as unhas batendo no filtro, as cinzas num copo d'água; é quando, rápida e subconscientemente, vens.

Todo aquele blábláblá fanático parecia não estar naquele bar, ou talvez meu corpo nem estivesse mais ali. E vem primeiro o sorriso, os dentes, as olheiras ("que, num caráter mais suspeito..."), o cheiro, o gosto, o olhar melancólico-envolvente, e o dom de me fazer explodir e transbordar de um sentimento que prefiro não nomear; não por falta de tentativas, mas nada até hoje foi suficiente para uma definição ideal. Não posso esquecer-me também das mãos com dedos longos e finos, do gosto pela música e pelo cinema, das amizades, e de — pela primeira vez em muito tempo — me orgulhar de não escrever sequer um texto que valha, já que, como expliquei antes, é muito mais fácil ser criativo quando se está aos pedaços. Sinto que existia uma parte minha vagando por aí e que finalmente reencontrei, que me completa; que mesmo em meus devaneios, me dói (muito) a despedida.

Mal sabe Aurora que estavas presente no bar todo o tempo; mal sabe ela que até mesmo eu duvido de tua existência absurda.