
A: Bom, não era bem isso o esperado, mas você pode começar.
T: Não fui instruído, senhor.
A: Ah, não? Que tipo de chefe manda um subalterno a casa de um estranho?
Olhar malicioso, cigarro entre os dedos.
T: Ele não é meu chefe, apenas uma luz. No caso, apenas não funcionou como eu gostaria.
Mentira, pensa.
A: Me parece bastante sádico.
T: O que exatamente queres de mim?
Respiração ofegante, coração acelerado.
A: Ainda não sei. descobriremos nos próximos minutos.
Sobrancelhas se erguem, mas não apenas elas.
T: Não sou o tipo que se prostitui.
A: Quem sabe você mude de idéia, é tudo uma questão de tempo.
Dedos percorrem a perna esquerda.
T: Vou repetir, o que queres, exatamente?
A: Vista esse par de luvas, segure a piteira, tome seu Johnny e aprecie o silêncio. Não te excita?
T: Não exatamente. Este tecido me da arrepios.
Sintético, é parte do glamour decadente, pensa.
A: Aposto que estes números em minhas mãos dão cabo a isso. Apenas obedeça. Isso.
A: Agora ouça o silêncio, feche os olhos.
Satisfação, seria esse o poder do poder?
(Silêncio quebrado pelo barulho do gelo rachando)
T: Senhor?
A: Cale-se. Tire toda roupa e mantenha-se com a luva direita.
A. acende uma vela multicolorida, também fica nu e venda os olhos de T. com a luva esquerda. Os olhos negros demonstram certo desespero, reprimido com o olhar de quem o domina.
T. mentaliza que é passageiro, quem sabe prazeroso. Sente movimentos involuntários em seu próprio corpo, que tocam com a mão enluvada de forma sutil. Lembra-se mais uma vez que escolheu a profissão pela curiosidade. Essa, por sua vez, tem um preço, cobra caro. Exige a renuncia do poder, do pudor e do pavor. Pede paciência, ponderação, perversão. Devolve dinheiro e satisfação por conhecer as fraquezas da carne.
A: Sente minha luva, os pêlos eriçados, o calor da respiração no pescoço. Não vou machucá-lo, caso colabore comigo.
A: Deite, abra os braços e junte as pernas, em forma de cruz. Vou ser teu carrasco e teu salvador.
O ritual tem seu início. Outra luva é colocada sobre T., não exatamente na mão. A. acaricia o outro dos dedos dos pés aos cabelos, em todos os ângulos, sente-se preenchido, capaz de preencher, doar-se para assim fazer doer.
Gotas de cera caem sobre o pescoço e o abdômen do corpo ao chão, irritam a pele já avermelhada por unhas e lábios ferozes.
T: Agora, me leva àquele lugar que não me permito ir.
A: As regras são minhas, mas terei o deleite de te dar esse prazer.
As gotas se misturam: branco, vermelho, translúcido, leitoso, e o negro da tez. A água escorre sobre os corpos. não tão nus, não tão cobertos. O cheiro de lavanda e carvalho se espalha e novamente T. pensa que não poderia ser mais brega.
A. reflete. Seus padrões teatrais vêm se desgastando ao longo dos tempos. Essa era sua última dança. Seu último suspiro da prova de que está vivo após longas noites milenares.
T. levanta-se, veste o seu fardo e se despede. Jamais voltará àquele altar, não pretende ser entretenimento barato para o vazio e o silêncio.