quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

I'm not gonna hurt you.


A: Bom, não era bem isso o esperado, mas você pode começar.
T: Não fui instruído, senhor.
A: Ah, não? Que tipo de chefe manda um subalterno a casa de um estranho?

Olhar malicioso, cigarro entre os dedos.

T: Ele não é meu chefe, apenas uma luz. No caso, apenas não funcionou como eu gostaria.

Mentira, pensa.

A: Me parece bastante sádico.
T: O que exatamente queres de mim?

Respiração ofegante, coração acelerado.

A: Ainda não sei. descobriremos nos próximos minutos.

Sobrancelhas se erguem, mas não apenas elas.

T: Não sou o tipo que se prostitui.
A: Quem sabe você mude de idéia, é tudo uma questão de tempo.

Dedos percorrem a perna esquerda.

T: Vou repetir, o que queres, exatamente?
A: Vista esse par de luvas, segure a piteira, tome seu Johnny e aprecie o silêncio. Não te excita?
T: Não exatamente. Este tecido me da arrepios.

Sintético, é parte do glamour decadente, pensa.

A: Aposto que estes números em minhas mãos dão cabo a isso. Apenas obedeça. Isso.
A: Agora ouça o silêncio, feche os olhos.

Satisfação, seria esse o poder do poder?
(Silêncio quebrado pelo barulho do gelo rachando)

T: Senhor?
A: Cale-se. Tire toda roupa e mantenha-se com a luva direita.

A. acende uma vela multicolorida, também fica nu e venda os olhos de T. com a luva esquerda. Os olhos negros demonstram certo desespero, reprimido com o olhar de quem o domina.
T. mentaliza que é passageiro, quem sabe prazeroso. Sente movimentos involuntários em seu próprio corpo, que tocam com a mão enluvada de forma sutil. Lembra-se mais uma vez que escolheu a profissão pela curiosidade. Essa, por sua vez, tem um preço, cobra caro. Exige a renuncia do poder, do pudor e do pavor. Pede paciência, ponderação, perversão. Devolve dinheiro e satisfação por conhecer as fraquezas da carne.

A: Sente minha luva, os pêlos eriçados, o calor da respiração no pescoço. Não vou machucá-lo, caso colabore comigo.
A: Deite, abra os braços e junte as pernas, em forma de cruz. Vou ser teu carrasco e teu salvador.

O ritual tem seu início. Outra luva é colocada sobre T., não exatamente na mão. A. acaricia o outro dos dedos dos pés aos cabelos, em todos os ângulos, sente-se preenchido, capaz de preencher, doar-se para assim fazer doer.
Gotas de cera caem sobre o pescoço e o abdômen do corpo ao chão, irritam a pele já avermelhada por unhas e lábios ferozes.

T: Agora, me leva àquele lugar que não me permito ir.
A: As regras são minhas, mas terei o deleite de te dar esse prazer.

As gotas se misturam: branco, vermelho, translúcido, leitoso, e o negro da tez. A água escorre sobre os corpos. não tão nus, não tão cobertos. O cheiro de lavanda e carvalho se espalha e novamente T. pensa que não poderia ser mais brega.

A. reflete. Seus padrões teatrais vêm se desgastando ao longo dos tempos. Essa era sua última dança. Seu último suspiro da prova de que está vivo após longas noites milenares.

T. levanta-se, veste o seu fardo e se despede. Jamais voltará àquele altar, não pretende ser entretenimento barato para o vazio e o silêncio.

quarta-feira, 6 de outubro de 2010

Aurora não ousa em discordar.

Sente-se, talvez sintas melhor o que estou querendo te dizer. Já faz um tempo que não dou as caras por aqui; é muito mais fácil escrever quando se está magoado ou com algum sentimento ferido. Não existem tantos clichês para descrever a tristeza; agora, basta apenas um átimo para lembrar o quão piegas é falar sobre o próprio estado de felicidade, e em minha opinião, a dificuldade para escolher as palavras ideais sempre acaba estragando o tamanho do sentimento envolvido. Apesar de tudo isto, seria muito injusto deixar passar em branco.

Em uma longa conversa com Aurora, percebi que a mesma também anda em hiato com seus escritos, e diz ela que se sente preenchida pela política nacional e por uma nova religião que frequenta, onde o vício pela fé transformou-a numa beata insuportável: "Pudera um dia me entenderes; só assim sentirás o poder das mãos do Designer da Inteligência".

Não consegui suportar tanto criacionismo modernizado e apenas escutei o cigarro do qual eu fumava: entrando pela garganta, esquentando os pulmões, saindo através dos lábios, as unhas batendo no filtro, as cinzas num copo d'água; é quando, rápida e subconscientemente, vens.

Todo aquele blábláblá fanático parecia não estar naquele bar, ou talvez meu corpo nem estivesse mais ali. E vem primeiro o sorriso, os dentes, as olheiras ("que, num caráter mais suspeito..."), o cheiro, o gosto, o olhar melancólico-envolvente, e o dom de me fazer explodir e transbordar de um sentimento que prefiro não nomear; não por falta de tentativas, mas nada até hoje foi suficiente para uma definição ideal. Não posso esquecer-me também das mãos com dedos longos e finos, do gosto pela música e pelo cinema, das amizades, e de — pela primeira vez em muito tempo — me orgulhar de não escrever sequer um texto que valha, já que, como expliquei antes, é muito mais fácil ser criativo quando se está aos pedaços. Sinto que existia uma parte minha vagando por aí e que finalmente reencontrei, que me completa; que mesmo em meus devaneios, me dói (muito) a despedida.

Mal sabe Aurora que estavas presente no bar todo o tempo; mal sabe ela que até mesmo eu duvido de tua existência absurda.

terça-feira, 22 de junho de 2010

Até!

Lully, ou Luiz - eu não sei a que altura estou de nossa antiga.. não posso chamar nem de amizade, pois nunca fôramos amigos. Temos 5 ou 6 anos de diferença de idade e isso gera sim um distanciamento, assim como o tenho com pessoas de vários anos a menos que eu. Posso dizer que fomos próximos, pois tínhamos amigos, primos e conhecidos em comum e compartilhávamos o mesmo gosto musical por algumas bandas.

Há dois motivos que me levam a escrever isso tudo: o estranho sentimento de choque ao saber o que aconteceu a ti um dia após teu aniversário e de querer compartilhar isso contigo, seja lá onde estejas agora. Chorei sim e pensei: diabos, por quê?! Acho que já sei a resposta: o fato de não sermos amigos e não trocarmos nem uma palavra há três anos não diminui em nada o fato de que tu sempre foste um cara muito, mas muito foda; alguém que - talvez em outras circunstâncias e andares da vida - seria um amigo muito próximo.

Quero compartilhar aqui contigo (e não em alguma rede social sem privacidade) todos os meus pêsames. Compartilho esse sentimento também com quem continua vivo - especialmente a tua família - que sentirá a falta de tua presença física e talvez apenas física, porque não morrerás facilmente para aqueles que tu encantaste, encantas e encantarás ao ser lembrado em rodas de cerveja e/ou reuniões familiares.

Um abraço e até a próxima vida.

terça-feira, 15 de junho de 2010

apenas cru, confessional, indireto

Há algo no fundo do âmago a me dizer que aconteceu novamente, a enfermidade. Sempre ela que insiste em atingir o estômago e fazê-lo virar um buraco negro faminto – ansiedade às avessas – onde o que era 55 agora são 60 unidades, onde a narcolepsia transfigura-se em noites em branco não dormidas e dias iniciando com um Carlton nos dedos de Carolyn. Sempre ela Aurora - e você também -, a chegar cada vez mais tarde, não mais permitindo que Ícaro Narcisista reflita a própria imagem no sol. Não sei qual é pior: o original afogado ou o megalomaníaco alado – ambos igualmente traídos por águas (mágoas?) vaidosas.

Libra tem muito disso, a indecisão é tanta que a escolha é compulsiva; mas talvez eu esteja errado (ou o zodíaco). Não subestimo minha capacidade de identificar essa sensação; ninguém é tão burro e além disso o coração acelera. A propósito, estou falando de paixão e amor, próprio e alheio. Pronto, falei. A enfermidade, que faz com que um zunido sempre surja naquele canto, e te mova. De cidade em cidade, de lugar em lugar, não importa: ao esqueceres do ruído incômodo-viciante, ele certamente te lembrará que está ali ainda.

Entende-se por cru algo que: se exprime sem rodeios, não foi preparado, nem elaborado e/ou tampouco enfeitado. Aplica-se na culinária, à escrita, às palavras ditas, às cores, à música, ao sexo e ao homem selvagem. Tenho duvidas quanto a essa aplicação nos sentimentos humanos; de forma geral, sentir/senti-lo/sentir-se significa cegar-se para esconder-se do cego. Bastante estúpido, não fosse uma febre inerente à espécie. Como já foi dito: uma enfermidade, uma busca, um amor doentio pela cegueira; o estômago recitando um monólogo, as pernas inquietas e o sorrisinho contido. Referenciar esses escritos é desnecessário – afinal, crueza não foi feita para se explicar.

quinta-feira, 27 de maio de 2010

Baile dos mascarados-desmascarados


Não era de se esperar que tenha voltado; pelo visto o espelho narcisista não esconde bem as coisas. Nem ao menos faz questão disso. Com seu whisky e tweed verde, chega com elegância, suspira fundo e começa a tagarelar.

Tanto fala que encanta. Tanto encanta que fala.

Sai,
põe o óculos,
troca de roupa,
torna a inspirar,
lustra os sapatos,
engole a saliva acre,
esfrega-as-olheiras-cor-de-oliva,
esboça um sorriso marrom falso, caminha.
Não quer a velha companhia... Será?

Aqueles olhos vigilantes jamais me enganariam. Mais um retoque na maquiagem e exibe-se na janela rachada: dois reflexos, ao passo que um está turvo pelo Incerto dividindo o vidro. O Incerto mostra os dentes, cumprimenta a parceira, certifica-se que está bonito em seu terno social – contrapondo-se ao sujo trapo da Certeza. Mira a companheira de salão e a criadora de seu charmoso ego, logo ali: branca, magra e tailleur de risca de giz milimetricamente esticado na haute couture decadente. Ostenta uma piteira entre os dedos, onde aspira à névoa. À ela, que severamente mente e que tanto convence.

Tanto convence que mente.

Ainda não sabe como chamá-la, mas pode ser o nome de uma heroína que volta e cobra caro. Pede dedicação e carinho para com sua vestimenta ilusionista: precisa disso para trabalhar. Uma, duas, três riscas de giz sobre o preto. Quem seria Bianca sem toda essa roupagem? Nem ela te diria, é difícil definir uma impostora ao dizer adeus.

quarta-feira, 12 de maio de 2010

il silenzio nella stanza

Já não era sem tempo, Aurora? Por onde andaste tão sumida? Não te encontrei nos dias sem cigarro, nos domingos mal amados, nas ilusões alcoólicas, nas obsessões por limpeza e organização. Não deverias estar no mesmo lugar? Ou algo tão mais importante tirou minha atenção que não a vi fugir? Não fujas de mim, Aurora, agora estou aqui por inteira. Não te finjas de cega, putinha mal paga! Fale já comigo, tenho saudades do brilho dourado de outrora nos teus dentes. Não quero mais tua trepada; desejo um café e um cigarro. Comprei tua marca preferida, me acompanhas? São seis da manhã – em maio surges ao meu lado um pouco mais cedo. Não sei se com felicidade, desgosto, preguiça de viver ou vontade de trabalhar; independente disso, só quero alguns minutos de sua jornada – já que não sou o único a querer-odiando o alvorecer de sua companhia.