quinta-feira, 27 de maio de 2010

Baile dos mascarados-desmascarados


Não era de se esperar que tenha voltado; pelo visto o espelho narcisista não esconde bem as coisas. Nem ao menos faz questão disso. Com seu whisky e tweed verde, chega com elegância, suspira fundo e começa a tagarelar.

Tanto fala que encanta. Tanto encanta que fala.

Sai,
põe o óculos,
troca de roupa,
torna a inspirar,
lustra os sapatos,
engole a saliva acre,
esfrega-as-olheiras-cor-de-oliva,
esboça um sorriso marrom falso, caminha.
Não quer a velha companhia... Será?

Aqueles olhos vigilantes jamais me enganariam. Mais um retoque na maquiagem e exibe-se na janela rachada: dois reflexos, ao passo que um está turvo pelo Incerto dividindo o vidro. O Incerto mostra os dentes, cumprimenta a parceira, certifica-se que está bonito em seu terno social – contrapondo-se ao sujo trapo da Certeza. Mira a companheira de salão e a criadora de seu charmoso ego, logo ali: branca, magra e tailleur de risca de giz milimetricamente esticado na haute couture decadente. Ostenta uma piteira entre os dedos, onde aspira à névoa. À ela, que severamente mente e que tanto convence.

Tanto convence que mente.

Ainda não sabe como chamá-la, mas pode ser o nome de uma heroína que volta e cobra caro. Pede dedicação e carinho para com sua vestimenta ilusionista: precisa disso para trabalhar. Uma, duas, três riscas de giz sobre o preto. Quem seria Bianca sem toda essa roupagem? Nem ela te diria, é difícil definir uma impostora ao dizer adeus.

quarta-feira, 12 de maio de 2010

il silenzio nella stanza

Já não era sem tempo, Aurora? Por onde andaste tão sumida? Não te encontrei nos dias sem cigarro, nos domingos mal amados, nas ilusões alcoólicas, nas obsessões por limpeza e organização. Não deverias estar no mesmo lugar? Ou algo tão mais importante tirou minha atenção que não a vi fugir? Não fujas de mim, Aurora, agora estou aqui por inteira. Não te finjas de cega, putinha mal paga! Fale já comigo, tenho saudades do brilho dourado de outrora nos teus dentes. Não quero mais tua trepada; desejo um café e um cigarro. Comprei tua marca preferida, me acompanhas? São seis da manhã – em maio surges ao meu lado um pouco mais cedo. Não sei se com felicidade, desgosto, preguiça de viver ou vontade de trabalhar; independente disso, só quero alguns minutos de sua jornada – já que não sou o único a querer-odiando o alvorecer de sua companhia.