sexta-feira, 12 de dezembro de 2008

Palha Molhada

– Belíssima, a lua.
– Tens razão. Nunca a vi tão grande e branca.
– E desde quando você aprecia essas coisas?
– Não aprecio, apenas observo. E tu mentes.
– Sobre a lua?
– Sobre tudo.
– Não venhas tu com esse papo, mulherzinha!
– Mulherzinha? Ora essa... Até parece que não me conheces.
– E você se conhece?
– Não, e te conheço muito bem, traidor dos infernos.
– Por que me julgas dessa forma?
– Por que és infiel à tua mulher?
– Não gosto de trair.
– Tu mentes. O que você sente quando trai?
– Prazer, sentimento de poder, remorso, auto-desprezo. Somado a tudo isso, o fato de que nunca possuirei de fato “a outra”, o que torna tudo muito mais frustrante. É gratificante.
– O crime e o castigo, no teu caso crime e recompensa. Não te contentas com tua mulher?
– Ela se contenta com isso; mais uma prova de que me tem na mão como ninguém.
– (silêncio).
– Me beijaria?
– Achei que você nunca perguntaria.
– Então a resposta é positiva?
– Claro que não. Me beija tu, assim continuará sendo o filho da puta que sempre foi. Um misto de canalhismo e remorso, até esqueceu nossa amizade; sei que te excita.
– É o que sei fazer melhor: apunhalar.
– (suspiros).
– Nosso segredo, beata.

quinta-feira, 11 de dezembro de 2008

entre Ziggy e o velho


Rua Benedito Calixto; São Paulo, Novembro de 2005. Lugar simpático, aquele. Ainda me recordo do macaco dançando repetidas vezes as músicas da vitrolinha do velho. O menino dessa foto não era assim mecânico, ao menos.
Teria o sagüi revoltado-se com sua infortúnia rotina, caso o velho tivesse colocado o meu recém adquirido vinil do Bowie para tocar em sua vitrola? Então o "sagüi-mártir" foi preso no prato do toca-disco e torturado à morte, por seu dono fétido; isso foi só o começo, a eclosão de um movimento: outros seres felpudos se opuseram aos seus capatazes caquéticos. Rebelaram-se e tomaram a Benedito Calixto, em memória ao injustamente morto líder da revolução. Ergueram um monumento; uma estátua de Ziggy Stardust executando o álbum "Diamond Dogs". Era a vez dos velhos nojentos dançarem frenética e automaticamente, presos em minúsculas gaiolas de ferro.

(redigido em Setembro de 2006)

Comunicado importante:


Segundo Wikipédia, a enciclopédia livre:
"O cigarro (do espanhol cigarro) é uma pequena porção de tabaco (ou fumo) seco e picado, enrolado em papel (mortalha) fino ou em palha de milho (cigarro de palha), para se fumar, sendo que o primeiro é industrializado e o segundo, manufaturado."


É um objeto roliço composto por: mistura de fumos, açucares, papel de cigarros, extratos vegetais, agentes de sabor. No Brasil a maioria dos produtos vendidos contém filtros supergrandes e todas as carteiras têm alguns modelos fotográficos em seu verso. No geral são comercializados em vintenas (ou corjas), e o ato de fumá-los causa: hálito refrescante, pele macia, voz de Nair, ascensão social, status, saúde impecável e, no geral, cinco minutos de sensação impar. Os rótulos ou carteiras ou maços – além das belas produções fotográficas – carregam dizeres de grandes nomes da literatura brasileira e, dependendo do fabricante, curtas frases de efeito.

Segundo alguns psicanalistas, o ato de fumar está diretamente ligado à falta de um objeto fálico na boca; isso talvez se complique na Índia, onde a maioria do povo masca tabaco em vez de segurar um belo cigarro entre os dedos e sugá-lo suavemente. E falando em complicações, o tabagismo já não é mais tão bem visto, apesar de todos os seus benefícios estarem cientificamente comprovados. Em um panorama mundial pode-se constatar que cigarros de todas as etnias, cores e faixas etárias vêm sendo expulsos permanentemente de cinemas, restaurantes, meios de transportes coletivos, e até mesmo dos lares de seus ditos “melhores amigos”: bares, cafés e ambientes públicos; ainda não se sabe bem o porquê disso, mas até mesmo nos Países Baixos o querido não pode mais aparecer nas ruas. Enquanto isso, sua prima lerdinha e de cor esverdeada tem parques e locais específicos para os cinco minutos de prazer. Virou uma putinha bem pega e paga em Amsterdã.

Após mais de cinqüenta anos de auge e glamour – de Marlene Dietrich à Freddie Marcury – o cigarro não é mais mesmo e não é mais tão procurado entre seus clientes. Encareceu um pouco para conseguir pagar o aluguel, e está mais discreto: decidiu sumir de filmes e comerciais. Em contrapartida, abriu uma fábrica de artesanato: a cada serviço prestado somado a uma taxa extra, o cliente ganha souvenires variados, comprovantes de qualidade, caixinhas personalizadas e concorre a prêmios de cirurgias estéticas, como uma traqueostomia ou remoções de partes do corpo. Mesmo com todas as dificuldades, enquanto houver um de seus amantes, o cigarro atenderá seus clientes com o mesmo fogo e sensualidade que sempre atendeu e as diferentes famílias de tabaco estarão sempre unidas para promover qualidade e eficiência em seus serviços.

A direção.

quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

14 de Agosto

Sono indiscutível-indescritível e devaneios em plena classe. Subitamente, ela acorda. Um campo de papoulas, o horizonte invisível. “Criança, pare de se despetalar!”. Aquele ser asqueroso começou a rir, talvez a risada mais sádica que já suportou. Não fosse a incrível inconveniência de alguns homens, teria dormido mais alguns meses, anos; mas quem se importa? Eram somente mãos sacudindo o ombro e um rosto esquálido com marcas espiraladas na testa. Tanto faz... Ponho-me a caminhar entre os campos, respiro profundamente; torno a respirar – precisa ficar branco. No fundo do ônibus, me sento; só há solidão, das mais variadas formas - pervertidas, nostálgicas, compadecidas e sólidas - solidões-sólidas. Gosto de todas, mas escolho a solidão-gorda-trauteante; depois de décadas cantarolando, finalmente posso descansar, é doce.

Válvula de escape.